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20 Novembro 2016 às 21:13

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Eutanásia: Morrer é terapia?


Publicado dia 20/11/2020 às 09:13


Autor: Alexandre Ferreira
Publicado em OBVIOUS

A morte pode ser considerada uma terapia, quando a tentativa de manter alguém vivo é o pior remédio? Ou a decisão sobre a vida vai além do sofrimento ou do desejo? Em que ponto de uma tentativa de cura a vida se torna menos importante que a morte? Ao que parece, o problema não é para quem vai, mas para quem fica…
O avanço inexorável da Ciência, mais especificamente no campo médico, vem evidenciar sobremaneira a necessidade cada vez mais premente de uma revisão minuciosa do Estudo da Ética, erigido nos primórdios da humanidade como mecanismo fundamental e propulsor do Método Científico ao qual delimita. Hoje, os infindáveis recursos de que dispomos para prolongar a vida (inclusive dos pacientes terminais e/ou até mesmo, dos pacientes com morte cerebral comprovada) nos chama à discussão sobre a legalidade do princípio de preservar a vida até a última instância como primordial no enfoque da medicina moderna, visto que de certa maneira, em muitos casos, essa conduta significa prolongar o sofrimento.

Até que ponto a melhor terapia seria deixar morrer?

Essa questão, já exaustivamente respondida sob o ponto de vista de todas as crenças de que se tem conhecimento, vem de encontro a um tema assaz ponderado nos últimos anos pelos estudiosos dos juízos de apreciação referentes à conduta humana no trato científico da vida e da morte. É sob esse prisma que ganhou força a ideia da morte também como terapia.

Objetivamente, falamos de Eutanásia e podemos dizer que a sua origem nos remete inevitavelmente à Grécia antiga — muito embora haja relatos bem anteriores dessa prática em povos Celtas. Da forma como contado, os celtas matavam seus pais e parentes idosos e terminais para que não penassem agonizantes. Ao longo do tempo, o termo eutanásia absorveu simploriamente para os outros idiomas a conotação de “Morte serena e sem sofrimento, não agoniosa”.

Certo é que muitos filósofos se debruçaram sobre o assunto, entre eles se destacaram alguns favoráveis à prática (Platão, Sócrates e Epicuro), e também, alguns não favoráveis (Pitágoras, Hipócrates e Aristóteles), o que não ajuda muito na defesa ou não da prática, considerando que foram todos esses homens brilhantes. Por essa razão mesmo é que a evolução notadamente da discussão somente aconteceu quando, em 1623, o estudioso Francis Bacon em sua obra “Historia Vitae et Mortis” apontou a Eutanásia como sendo “o caminho para a morte apropriada”, e se aprofundou ainda mais quando, em 1904, o estudioso Morache levantou um outro enfoque para o tema, mais complexo e determinado pelo emprego do neologismo Distanásia: “A morte prolongada, com sofrimento físico e psicológico do indivíduo lúcido”. A definição de Morache se constituía, no seu entendimento filosofal, como a única situação em que a Eutanásia se justificaria, de fato. Essa tese serviu de embasamento jurídico posterior para a formulação de leis mais apuradas acerca da prática.
tualmente, apesar dos avanços no entendimento dos mecanismos legais sobre o assunto no decorrer do século XX, abertamente, apenas quatro países do mundo admitem a Eutanásia: Holanda, Bélgica, Suíça e Alemanha. Prática que, conforme definição do Conselho de Bioética da Organização Mundial de Saúde, admitida como válida pelos principais Dicionários e Enciclopédias, científicas ou não, do Mundo, é o ato, ainda que sem amparo legal específico, de abreviar a vida de um Paciente cuja doença que o acomete é reconhecidamente mortal, incurável e/ou degenerativa, de modo a que haja perda total ou parcial da autonomia para a sobrevivência sem o devido amparo médico, e agravada independentemente da terapia utilizada no tratamento da enfermidade, embora necessariamente o paciente deva e/ou possa discernir sobre seu estado, mas não necessariamente constituindo-se em um Paciente Terminal, ou seja, aquele cujo tempo de vida independentemente do tratamento empregado variará de três a seis meses, no máximo.

Segundo estudo aprofundado de vários professores - entre os quais vale destacar os brasileiros Carlos Fernando Francisconi, Genival Veloso de França e José Roberto Goldin - a Prática da Eutanásia pode ser classificada quanto ao Tipo de Ação em:

1 - Eutanásia Ativa: Quando o ato deliberado de provocar a morte do paciente sem sofrimento ocorre por fins misericordiosos;

2 - Eutanásia Passiva ou Indireta: Quando a morte do paciente ocorre dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica necessária ou porque se interrompe uma medida extraordinária com o objetivo de minorar o sofrimento;

3 - Eutanásia de Duplo Efeito: Quando a morte é acelerada como uma consequência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal.

Há também, ainda segundo esse estudo, a classificação quanto ao Consentimento do Paciente em:

1 - Eutanásia Voluntária: Quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente;

2 - Eutanásia Involuntária: Quando a morte é provocada contra a vontade do paciente;

3 - Eutanásia não Voluntária: quando a morte é provocada independente da vontade do paciente.

Também, ao longo dos tempos, algumas outras interpretações mais subjetivas ou de cunho espiritual foram importantes para destrinchar e entender melhor a importância da religião nas questões éticas: A relevância e o enfoque que elas adquirem para cada credo específico, influenciando decisivamente até na Pesquisa Científica direta e na implantação dos resultados obtidos. Nesse sentido se destacaram os Teólogos Larrag e Claret que, no Século XIX, formularam tese sobre a Eutanásia como sendo “A morte em estado de Graça”, abrindo novo leque interpretativo para o tema. Isto mais tarde viria a influenciar alguns juristas espanhóis quanto à visão do Homicídio Piedoso, vista mais adiante.
Todo esse ideário sobre a Eutanásia veio, no Século XX, a comprovar a necessidade de se formular mecanismos legais mais complexos acerca da validação ou não do ato, e embora haja uma vasta e competente literatura sobre o tema - com trabalhos premiados de vários profissionais, em todas as linhas de interpretação e de todas as áreas, inclusive médicos, teólogos, até juristas e sociólogos — a competência específica da ciência para dissertar e determinar sobre a legalidade do ato suplantou a qualificação jurídica para legislar acerca do mesmo, ora limitando-a ao poder meramente conceituai que a filosofia imprime no trato da medicina quanto à proteção à vida.

Hoje, apesar do alargamento do limite científico na manipulação da vida (demostrado com louvor nos casos que envolveram a clonagem de humanos), ainda há um entrave quanto à capacidade de entendimento jurídico da Eutanásia que cresce — infelizmente - na medida em que se progride nas técnicas de revitalização dos seres viventes, uma vez que se mantém o discurso ético científico original, ainda que já em muito reformulado. Dessa falta de clareza quanto aos limites de competência nos valores acerca da defesa do bem-estar do indivíduo humano resulta a necessidade de se discutir o objetivo da medicina.

Alguns bons juristas tentaram sem tanto êxito estudar o tema, embora outros tenham se destacado por observarem o aspecto filosófico da Eutanásia, entre eles o Dr. Jimenez de Asúa, importante advogado espanhol que, em fins da década de 20 do século anterior, formulou a tese jurídica sobre o Homicídio Piedoso, posteriormente incorporada ao Código Penal Uruguaio, que além de ter sido o primeiro país a admitir uma brecha legal para a prática da Eutanásia, ainda hoje mantém esse código de leis datado de 1934. Nesse caso e de acordo com a tese, a inimputabilidade facultada resulta das seguintes condições apreciadas pelo júri, em casos de Homicídio:

1 - Ter antecedentes honráveis e comprovados;

2 - Ter realizado o Homicídio sob forte emoção, caracterizada como piedade extrema, na tentativa desesperada de amenizar o sofrimento da vítima;

3 - A vítima ter feito, comprovadamente, reiteradas súplicas para que a deixassem morrer.

A salvaguarda feita no Código de Leis Uruguaio foi aperfeiçoada por juristas e sociólogos através de estudo financiado pelos Países Baixos, que durou mais de 20 anos, acompanhado também por Cientistas - e aplicada na Holanda, a partir de 1993, na forma de Suicídio Assistido. Segundo o estudo realizado, este ocorre quando uma pessoa enferma irreparável não consegue realizar um suicídio sozinha, devido a limitações físicas e mentais, comprovadas em Parecer de Junta Médica, e solicita o auxílio dos profissionais que a cercam de cuidados para realizar tal ato. Este auxílio deveria ser indireto para que não se caracterizasse como Eutanásia, o que de fato não acontece, pois quase todas as vítimas são incapacitadas fisicamente — vale lembrar que a lei não se aplica a pessoas comuns que tenham auxiliado outras a se suicidarem, e nisso difere um tanto do Código Uruguaio, pois nesse caso se constituiria delito grave, sem qualquer previsão de inimputabilidade.

Dentre os critérios para se solicitar o Suicídio Assistido na Holanda constam:

1 - A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado;

2 - A solicitação deve ser bem ponderada por uma pessoa que tenha compreensão clara e correta da condição do doente e de outras possibilidades. A pessoa que deseja morrer também deve conhecer dessas nuances;

3 - O desejo de morrer deve ter alguma duração considerável;

4 - Deve haver sofrimento físico e mental que seja insuportável, mesmo que a vítima não esteja terminal;

5 - A consultoria em Junta Médica imparcial é obrigatória. Ainda assim, mesmo que se sigam todas as hipóteses favoráveis à prática, o médico que realizar a Eutanásia sob forma de Suicídio Assistido, deverá enviar extenso Relatório do ato à Autoridade Médica Local - sem emissão de Atestado de Óbito até que se cumpra a praxe — e esta relatará a morte ao Promotor Distrital, que decidirá ainda se o médico deve ou não ser processado.

Como se pode notar, há uma fina linha de seda que separa o Suicídio assistido de um crime de Homicídio, que perdura e impede que os médicos holandeses realizem a prática com segurança, mesmo que o doente lhes comova de sua vontade.

Alguns outros países também autorizaram a Eutanásia sob forma de Suicídio Assistido em seus Códigos Penais, casos da Colômbia, em 1997 – esta com a mesma abordagem do Uruguai - e da Bélgica, em 2002 — esta última reformulou o conceito holandês, tornando-o mais restritivo. Suiça, Alemanha, Suécia e Luxemburgo, mais recentemente, também resolveram seguir por esse mesmo caminho do suicídio assistido. Já na Áustria, a Eutanásia Passiva não é ilegal.

Israel é o único país asiático a permitir a Eutanásia. Por lá, há dispositivos legais específicos sobre o ato, que é permitido em doentes comprovadamente terminais, o que é bastante surpreendente, dada a evolução social apresentada no país.

Por outro lado, outros países preferiram rever e reestudar os mecanismos legais que poderiam vir a dar esteio à essa prática, mas sem muito sucesso: Caso da Austrália, que num curto período de tempo (entre 1996 e 1997) incorporou ao seu Código Penal uma lei que admitia a Eutanásia em Pacientes Terminais, apenas, exatamente como fizeram alguns Estados dos EUA, na mesma época, sendo que com mais sucesso do que na terra do canguru, visto que a lei perdura até hoje nesses locais.

A Espanha, mesmo tendo sido o País precursor do debate acerca do tema, ainda não admitiu nenhuma Lei favorável a Eutanásia, o mesmo acontece com o Canadá, que apesar de não ter nenhum mecanismo legal favorável, costuma punir com menos rigor os responsáveis por cometerem essa prática. Já a França apresentou uma forma mais complexa de caracterizar a prática como crime em seus domínios, diferenciando a Eutanásia Ativa — que constitui Homicídio — da Eutanásia Passiva — que constitui Omissão de Socorro. Alguns projetos de lei tentaram ser implantados na virada do Século, porém sem o menor sucesso, um deles chamou a atenção, pois garantiria a possibilidade de o paciente francês decidir sobre a melhor terapia para seu caso em detrimento da ação do médico, dentre as quais, morrer. Atualmente, a França permite sedação permanente em pacientes terminais.

No Brasil a Eutanásia ainda é considerada Homicídio, mas houve um Projeto de Lei sobre o assunto que tramitou sem muito sucesso no Senado Federal por longos anos, desde 1995. Infelizmente, sua abordagem era bastante falha em alguns pontos cruciais: Como no que dizia respeito aos prazos para que o paciente refletisse sobre a sua decisão e como o que determinava sobre quem seria o Médico Responsável pelo ato, por exemplo. Ainda sim, se constituiu num mecanismo legal ousado e interessante, sabendo-se que procurava reformular conceitos da tentativa francesa de possibilitar a livre escolha do melhor tratamento por parte do paciente, abrindo novo ideário de discussões acerca da Ética Médica no Brasil. Por outro lado, procurava amenizar a pena das pessoas comuns que cometem homicídios piedosos.
Hoje, a Reclusão para os casos de Homicídio varia de seis a vinte anos, com a nova lei, um novo Parágrafo seria implantado descrevendo a possibilidade do Homicídio Piedoso, com reclusão que variaria de três a seis anos, somente. Outro Parágrafo significativo seria implantado relatando os casos em que um indivíduo qualquer desligasse conscientemente os aparelhos responsáveis por manter artificialmente a vida de uma pessoa enferma. Nesse caso, se atestado por dois médicos que o paciente não teria chance de sobreviver, o Réu ficaria isento de culpabilidade, ainda que tivesse a intenção de matar comprovada em juízo.

Não é difícil perceber que existe uma preocupação progressiva por parte de todos os países do mundo acerca da Eutanásia, mais acentuada após Congresso da ONU sobre o tema, no início dos anos 2000 e, segundo estudo feito pela Universidade de Cambridge àquela época, até meados da década de 10 dos anos 2000, pelo menos 85% dos países do planeta já teriam legislado algo sobre o assunto, previsão que, infelizmente, não se concretizou.

De outro modo, no entanto, há mobilizações interessantes na Inglaterra e na Irlanda acerca do estudo da Bioética e, é provável que dentro dos próximos anos se altere alguma coisa nessa área em boa parte dos países europeus. Aliás, já é tempo de mudanças comportamentais na Sociedade da Ciência.

Bom, pelo menos numa coisa esses estudos - mesmo os teológicos e filosóficos - continuarão sendo vazios: Em que ponto de uma tentativa de cura a vida se torna menos importante que a morte?

Levantada a pergunta, cada um chegue à sua conclusão.

Fontes de Pesquisa:

Jiménez de Asúa L. Libertad para amar y derecho para morrir. Buenos Aires: Losada, 1942. Admiraal P. Euthanasia and assisted suicide. In: Thomasnma DC, Krushner T. Birth to death. Cambridge: Cambridge, 1996:210. Diniz D. A despenalização da Eutanásia Passiva: O caso da Colômbia. Medicina-CFM 1998; XE11(98):8-9. * Criegger BJ. Cases in Bioethics. New York: St Martin, 1993:137.

*Declaração de Madrid sobre Eutanásia — WMA/1987

*Declaração de Veneza sobre Doentes Terminais — WMA11983

*Declaração de Política sobre o cuidado de pacientes terminais com dor crônica — WMA/1990

*Códigos Penais Comentados dos Seguintes Países: Uruguai; Holanda; Colômbia; Austrália; França; Bélgica; Brasil; Espanha e Canadá

*Schneiderman LJ. Jecker NS. Wrong Medicine: Doctors, Patients and Futile treatment. Baltimore: Johns Hospkins, 1995;8,

* Código de Ética Médica — CFM Brasil, 1988

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