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30 Maio 2010 às 17:01

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Imagem e liberdade de imprensa, por Steven Governo


Publicado dia 30/05/2020 às 05:01


Hoje em dia muito se tem discutido acerca do trabalho dos fotógrafos, dos limites que estes ultrapassam no nosso quotidiano e das constantes violações dos direitos à imagem dos cidadãos. Desde logo, os fotógrafos, enquanto jornalistas, são detentores de uma carteira profissional que, não só os habilita ao exercício da profissão, mas consagra certos direitos e impõe-lhes determinados deveres. E embora tais violações ocorram, muitas das vezes ocorrem pelas mãos de indivíduos que não se encontram de todo habilitados para exercer a profissão. Refiro-me não só aos conhecidos paparazzi como também a qualquer cidadão ou amador que, por sua iniciativa ou por tentação provocada por alguns órgãos de comunicação social, tiram fotografias que violam os direitos dos outros cidadãos sem se encontrarem vinculados aos deveres que regulam a comunicação social e os seus profissionais. Sem prejuízo da responsabilização civil por qualquer dano que possa ocorrer previsto no nosso código civil.

Não obstante, a lei constitucional, a lei do código civil, a lei de imprensa (Lei n.º 2/99 de 13 de Janeiro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º9/99, de 4 de Março e alterada pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho) e outras leis avulsas relativas à comunicação social têm servido para  aqueles que a elas recorrem com o objectivo de obter respostas. No entanto,  enquanto estudante de direito e repórter fotográfico, e tendo sempre em consideração e respeito pelas leis que atrás referi, a verdade é que não têm sido estas que mais me ajudaram no dia a dia mas sim os princípios que as norteiam. A verdade é que cada caso é um caso, e como tal as respostas a cada um deles é diferente. Não existem, como sabemos, no direito respostas matemáticas. Deste modo, quando me deparo com o problema de saber se posso fotografar a pessoa em questão, seja ela um cidadão anónimo, atleta, artista, magistrado, politico, agente de segurança pública entre outros, tento responder a certas questões. Desde logo qual a razão para o fotografar e, caso haja,  se, ou não, houve consentimento da pessoa em causa. E mesmo que tenha havido foi, ou não, aquele declarado por alguém capaz de o fazer. É um facto que muitas vezes nos deparamos com situações em que não é claro qual o grau de capacidade da pessoa em questão.

Então, se na prática e em caso de dúvida eu não consigo encontrar a resposta na letra lei o que fazer? Arriscar e fotografar ou evitar o risco da possível violação dos direitos da pessoa em causa e recusar-me a fotografar e, deste modo, sujeitar-me a um eventual procedimento disciplinar na empresa. Asseguro-vos que a ameaça de tal medida disciplinar não só não é estranha à realidade empresarial dos órgãos de comunicação social como não é inédita. Nesse sentido, e em total acordo com Mago Graciano de Rocha Pacheco, embora no âmbito da comunicação social, tal “coacção” que em muito se assemelha a assédio laboral e que resulta da obrigatoriedade imposta ao repórter de tirar determinada fotografia,  pode levar à violação dos direitos de imagem de terceiros. Relativamente a este assunto, colocava à vossa consideração a seguinte pergunta: porque é que o nosso legislador estatuiu no art.º 29º da Lei de Imprensa que no caso de haver lugar à responsabilidade civil gerada por facto cometido por meio de imprensa apenas o autor e a empresa jornalística sejam solidariamente responsáveis pelos danos causados? Curioso, não é? Quanto à empresa, esta assume uma posição mais forte (não só em termos de protecção jurídica como também económica), mas já o empregado ocupa uma posição mais fragilizada. É que,  como os colegas sabem, a ordem dada por superior hierárquico é, em princípio, para ser cumprida, pois caso contrario pode ser fundamento de despedimento de acordo com o art.º351º. 1 al.a) da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro. Alguns defendem que nesse caso o repórter tem o direito de recusar em respeito pelos seus princípios e de acordo com o n.º 9 do Código Deontológico dos Jornalistas (que também envio em anexo). Esta posição, e permitam-me esta consideração, parece-me totalmente ingénua e desadequada à realidade empresarial da comunicação social resultante de uma concentração dos títulos de imprensa em três ou quatro grandes grupos editoriais e da globalização em geral. São obstáculos que inevitavelmente todos nós enfrentamos, pois acredito também que estes problemas que aqui coloquei são transversais a muitas profissões da nossa sociedade actual e que resultam de uma “coisificação” dos cidadãos e, como tal, da nossa sociedade que cada vez mais vê enfraquecidos os valores que a deveriam suster, encontrando-se muitos dos seus cidadãos coagidos, de forma dissimulada, a actuar de forma contraria aos seus princípios em prol de exigências empresariais ou particulares.

Então, e voltando à questão, como resolver o dilema de tirar ou não uma fotografia?  Imaginemos uma balança onde, num prato, é colocado o direito à imagem e no outro o direitos da liberdade de imprensa. A balança, em si, pode ser vista como o princípio da concordância prática. Como é que este princípio pode tornar um valor mais “pesado” que o outro? Penso que a solução encontra-se na função social (em vez de utilizar a expressão utilidade pública) da fotografia. Isto é, quando um repórter tira uma fotografia fá-lo com o objectivo, e objectivamente, de visualmente retratar determinado assunto e influenciar aqueles que a virem no sentido de, ao analisá-la, reflectirem sobre a mesma e tomarem uma posição pessoal que, em última análise, tem reflexos sociais.  Não se trata aqui do direito à informação e de ser informado mas o dever que resulta do exercício da profissão de jornalista e as responsabilidades impostas à informação objectiva e socialmente relevante.

Imaginemos que um repórter, em violação do direito à privacidade, tira uma fotografia a um politico em cenas intimas. À partida, não tenho dúvida que houve, cumulativamente, uma clara violação do direito à imagem da pessoa e cuja publicação da imagem serviria apenas para a satisfação de alguma curiosidade pública. Mas agora, imaginemos que a mesma situação ocorre em plena fase de campanha eleitoral durante a qual aquele mesmo político defende valores familiares e conservadores, juntando deste modo o apoio de eleitorado suficiente para acreditar na sua vitória. Neste caso, penso que há uma causa de justificação para  a violação dos direitos daquele politico pois o que está em causa é o apoio a alguém, a eleição de alguém com base na mentira deste pois se publicamente adoptava determinada posição, em privado violava os valores que lhe teriam garantido a eleição. Então, não se tratou de uma fotografia que era destituída de relevância social, servindo apenas para o entretenimento de determinada classe de leitores e cujas consequências poderiam ser negativas para a pessoa retratada como acontece em grande parte do trabalho publicado nas revistas de social. Neste sentido sugiro aos colegas que leiam o acórdão do STJ (que coloco em anexo) e que, no meu entender, aborda esta questão de forma clara e esclarecedora.

Penso que hoje em dia se perde muito tempo a pensar a quem, como, onde e quando se vai fotografar quando na realidade se deveria ocupar, à partida, mais tempo a pensar se se devia ou não sequer fotografar. Quando perguntaram a  James Nachtwey se este não sentia que estava apenas a explorar miséria ou drama humano quando se encontrava diante uma situação pessoal de miséria ou guerra, este respondeu que a melhor homenagem que podia fazer àqueles que retratava naquele momento era o de os retratar com o maior respeito,  dignidade e objectivo. Se conseguirmos agir de forma tão honesta e sincera, não acredito que alguma vez tenhamos a pôr em causa os direitos dos outros, nomeadamente o do direito à imagem.

Quero acreditar em uma classe composta por jornalistas mais bem preparados e estruturados em valores morais, éticos, culturais e profissionais de forma a poderem exercer os seus direitos e cumprirem com os seus deveres da forma mais responsável. E, só então, poderem ser responsabilizados pelas suas acções, nomeadamente quando decidem tirar uma fotografia que à partida apresentou-lhes o dilema de o poderem fazer ou não. Para aqueles que no futuro irão seguir a advocacia ou magistratura gostaria  apenas que ao analisarem um caso que no qual surja uma questão relacionada com o direito à imagem de qualquer pessoa e em qualquer situação, procurem saber tudo o que for possível sobre os seus intervenientes e atendam, não apenas à lei unitariamente, mas aos princípios gerais de um Estado de direito democrático pois só desta forma chegaram a solução mais justa.  Não obstante, quero chamar, também, à responsabilidade os cidadãos e a sociedade cuja exigência pelos assuntos tratados pelos media têm sido cada vez menor.

Os problemas têm-se tornado cada vez notórios e crescentes que penso ser urgente uma maior exigência e fiscalização dos profissionais da comunicação social para podermos desenvolver tanto cultural como socialmente. Mas é, em primeiro lugar, necessário exigir uma maior  preparação dos mesmos pois tal como defendi anteriormente, só assim poderão ser moral e legalmente responsabilizáveis.

Muito mais poderia ser discutido sobre este assunto inesgotável, mas de qualquer modo agradeço a atenção e qualquer comentário que entendam escrever.

Steven Governo

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